O Diabo e Satanás, 02

O Diabo e Satanás 

Uma das razões fortes para concluir que não pode haver nenhum ser sobrenatural do mal é o silêncio das Escrituras sobre tal ser naquelas partes onde o pecado e a tentação são descritos e discutidos. Toda a extensão da história patriarcal, com seus muitos lapsos é colocada diante de nós sem menção de um autor sobrenatural do pecado. Mais impressionante é o relato da jornada pelo deserto tão notável por suas muitas transgressões. Que tal registo foi mantido e fornecido sem uma menção sobre um gênio do mal por trás dos bastidores é um argumento irresistível contra a existência de tal monstro. Um argumento semelhante encontra-se no silêncio do apóstolo Paulo quando ele discute em suas epístolas aos Romanos e aos Gálatas o caminho da salvação. Os problemas do pecado são tratados em detalhe nesses escritos e sua solução por meio da morte do Senhor Jesus Cristo é explicada, e tudo isso é feito sem referência a essa criatura inquieta de quem se diz ser responsável por todos os pecados.

É fácil argumentar especiosamente e até mesmo falsamente a partir do silêncio. Aqui, no entanto, o silêncio das Escrituras pode ser dito que fala decisivamente contra um demônio pessoal. Tantos crimes são descritos nesta história do Antigo Testamento sem a menor sugestão de que alguém mais do que o pecado humano esteja envolvido nisso. O pecado de Acã em Jericó pode servir como um exemplo. Informações completas sobre a transgressão deste homem são fornecidas: como ele com todo o Israel foi advertido, como ele se apoderou da propriedade proibida e escondeu-a, como resultou em desastre, como ele foi descoberto e apedrejado até à morte - todos esses detalhes são fornecidos, mas nunca há suspeita de que um outro ser, muito mais forte e mais capaz, estavisse trabalhando com zelo invisível para obrigar Acã a desobedecer. Poderíamos estudar a conspiração de Coré, Datã e Abirão, da mesma forma, e ficar impressionados com o mesmo resultado negativo. Talvez o tratamento inspirado do caminho da salvação nas epístolas seja ainda mais decisivo. Se esse diabo pessoal é a fonte principal de todo o pecado porque ele é tratado como inexistente nas Escrituras que parecem exigir a sua inclusão pela natureza do assunto? A resposta é que tal monstro é inexistente.

Há, é claro, um argumento positivo que é ainda mais poderoso. A fonte do pecado é a carne, e isso é afirmado tão claramente e repetidamente que não podemos ter qualquer dúvida razoável sobre o assunto. “Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias.

20 São estas as coisas que contaminam o homem;” (Mat 15:19-20 ARA). Estas são as palavras do próprio Cristo, em resposta à acusação dos fariseus que seus discípulos não tinham lavado as mãos antes de comer e assim ficarem contaminados.

O apóstolo Paulo ensina a mesma lição por escrito aos Gálatas: “Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer.” (Gál 5:16-17 ARA).Aqui está uma poderosa declaração explicando a origem do pecado. Ele é seguido por uma lista de pecados que podem ser comparados ao que é dado pelo Senhor Jesus. “as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas” (Gal 5:19-21 ARA)A única tentativa imaginável ​​para fugir da lição ensinada por essas passagens é derrubada por Tiago onde ele localiza a fonte de tentação “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.” (Tiago 1:13-15 ARA) Tal afirmação clara da origem do pecado não precisa de comentário. A tragédia da produção do pecado é promulgada sem a intervenção de um ator externo.

Leitura cuidadosa das Escrituras sobre o sacrifício de Cristo confirma estas conclusões sobre o pecado. Cristo condenou o pecado na carne, ele removeu o pecado pelo sacrifício de si mesmo, e somos informados de que o propósito da crucificação era destruir o corpo do pecado – para que o corpo do pecado fosse destruído.

Apesar de todas estas coisas serem compreendidas e aceitas, um problema interessante permanece para ser resolvido. É o problema da utilização dos termos pessoais "diabo" e "satanás" no Novo Testamento. Por que achamos esses empregados com tanta frequência? O uso de personificação em literatura é usual e tal uso na Bíblia é bem conhecido. A personificação da "Sabedoria" no livro de Provérbios se destaca como um exemplo forte e eloquente desse estilo de composição. Citar estes exemplos não é suficiente para resolver o nosso problema sobre o uso de "diabo" e "satanás". Esses termos são usados ​​com tanta frequência e com tal consistência sustentada que eles representam um desafio para o estudante da Bíblia. Desde o início de Mateus até o final de Apocalipse lemos diabo e satanás e devemos tentar entendê-los. Porque são tão utilizados? Há lições sobre o assunto do pecado para ser aprendidas com esses termos?

Começamos a encontrar a resposta para o nosso problema, observando a informação interessante e importante fornecida pelo Apocalipse. É a identidade do "dragão", "serpente", "diabo" e "satanás". A passagem é bem conhecida: “E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo” (Apo 12:9 ARA).

A frase "a antiga serpente" é sugestiva. Ela transporta a mente de volta ao Jardim do Éden, onde o pecado veio pela primeira vez à existência. Traz-nos cara a cara, não com o diabo da teologia humana, mas com a serpente, o mais astuto de todos os animais do campo. Ela nos obriga a olhar novamente para a tragédia do primeiro pecado do homem, e considerar de novo o caráter desse pecado e o papel desempenhado pela serpente ao incitá-lo. Ao mencionar a "antiga serpente" o Apocalipse sugere uma conexão entre o início do pecado e o poder pecaminoso que João está descrevendo. E aqui nós nos lembramos das muitas ocorrências da palavra "serpente" e seus equivalentes em toda a Bíblia. Estes falam de pecado.
"Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?" (Mateus 3:7). Esta era a pergunta de João Batista aos fariseus e saduceus. A linguagem que Jesus usou ao falar com certos fariseus é similar: “Raça de víboras, como podeis falar coisas boas, sendo maus? Porque a boca fala do que está cheio o coração.” (Mat 12:34 ARA) Chamar esses homens de maus usando tal nome é relacioná-los com a serpente do Éden. Eles são a geração da serpente – raça de víboras. É, portanto comparar sua conduta pecaminosa ao da "a antiga serpente." Diz-nos, além disso, que os pecadores continuam o trabalho terrível do primeiro tentador, que desencaminhou nossos pais.

Na profecia de Isaías é encontrado outra ilustração do uso do termo "serpente" que é esclarecedor. Depois de descrever a queda de Babilônia, vem o aviso: "Alegra-te, não te Filístia toda, porque a vara que te feria; é quebrado: para sair da raiz da cobra sairá um basilisco e seu fruto será uma serpente voadora."


Esta passagem é útil. Ele mostra como um poder como Babylon pode ser o representante da serpente original por causa da sua pecaminosidade, mostra ainda que há uma sucessão de serpentes com o passar dos anos. Em outras palavras, há sempre uma serpente. Ainda por outras palavras, aquela "antiga serpente" terá sempre neste mundo imerso em maldade, homens e mulheres, reis e reinos, poderes e instituições; uns e outros, ou juntos muitos a representam em sua oposição ao conselho de Deus.

Um bom exemplo do uso da serpente se encontra na exposição de Paulo sobre a ressurreição. “Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei.” (1 Co 15:55-56 ARA)

A referência serpente é vista na escolha da palavra "aguilhão" como a causa da morte. A picada provoca a morte, e o pecado causa a morte. Uma comparação que tem suas raízes na história do Jardim do Éden. Outro exemplo que vem à mente é a de serpentes causarem a morte sobre os israelitas por sua rebelião contra Deus. Em resposta à oração de Moisés, ele foi ordenado fazer uma serpente de bronze e colocá-la em um poste para que os israelitas atingidos podessem olhar para ela e serem curados. O significado é óbvio. As serpentes os feriram, e as serpentes representavam o pecado que cometeram. E depois foi com a morte simbólica do pecado em si que os israelitas recuperaram a saúde.

A referência do símbolo da serpente ao Éden é bastante óbvio.

Temos agora a examinar os outros três termos. Porque é explicado de forma definitiva que a serpente é o diabo e satanás e o dragão, seria razoável esperar o mesmo tipo de alusão edênico em passagens onde estes termos são encontrados. É exatamente este tipo de referência que nós encontramos. Antes de demonstrar esta conclusão, será necessário estudar a transação do Éden, em pormenor.

Adão era pré-eminente entre as criaturas de Deus. Ele havia sido especialmente criado e foi colocado como mestre de todos os outros seres vivos. "Tu tem domínio", foi o arranjo divino. E não só isso: ele teve o privilégio de conhecer a Deus, ter comunhão com Deus, e assim sabia quais eram as exigências de Deus. Ele estava em uma posição exaltada de conhecer a sabedoria divina. A serpente era o mais astuto de todos os animais do campo, e esta serpente falou a Eva - a Eva que partilhou com o marido o conhecimento divino. Aqui ela estava colocada, por assim dizer, entre a sabedoria de Deus e a sabedoria da serpente, e deve ser lembrado que a sabedoria da serpente estava em contradição direta com a sabedoria de Deus. Para manter a palavra de Deus era preciso rejeitar as palavras da serpente; escutar a serpente era rejeitar a palavra de Deus. O que fez Eva, e Adão depois dela, foi obedecer a serpente e colocar de lado a palavra de Deus. A proibição sobre a árvore do conhecimento do bem e do mal foi desconsiderada em favor das mentiras plausíveis e promessas da serpente subtil. A palavra de Deus desobedecida; a palavra da serpente aceita: nisto é visto o caráter negro da primeira desobediência do homem.

A primeira menção de "diabo" no Novo Testamento, é encontrada no relato da tentação de Cristo. Somos capazes de encontrar neste relato algo como a história do Éden? A resposta é uma afirmação forte. Lendo cuidadosamente somos capazes de discernir o padrão da tentação do Éden destacando-se claramente, com um resultado diferente, porque Jesus resistiu onde Adão e Eva sucumbiram, porque Jesus manteve a palavra de Deus e desprezou as lisonjas da tentação que vieram sobre ele. Cristo tinha estado no deserto quarenta dias e quarenta noites, e depois teve fome. O tentador, disse-lhe: “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães.” (Mat 4:3 ARA) É possível entender essa tentação, comparando-a com a tentação que sobreveio aos israelitas no deserto. Deus havia colocado Jesus ali(“foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto” (Mat 4:1 ARA)) assim como os israelitas foram levados pelo deserto. Isso por si só era uma garantia de que Deus iria prover. Diz-se que os israelitas sofreram fome para que soubessem que o homem não vive somente de pão, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. As queixas do povo foi afastar deles a palavra de Deus, a palavra de Sua promessa de mantê-los e alimentá-los. Suas reclamações, portanto, em princípio, foram como a ação de Adão e Eva no desrespeitando pela palavra de Deus. Assim a tentação do Éden confrontou o Senhor Jesus. Ele tinha aprendido todas as lições da jornada no deserto; ele tinha a garantia da provisão de Deus de comida suficiente. Portanto, quando veio a tentação, nascida da longa abstinência e carregada com todo o apelo e persuasão da carne, veio como o apelo da serpente. Era um duelo entre o pensamento da carne e o pensamento do Espírito, que ele estava comprometido a seguir, exatamente como no Éden tinha sido também um duelo entre o pensamento de carne, representado pela serpente, e o pensamento do Espírito representado pelas instruções de Deus para não comer da árvore proibida. Esta semelhança explica o uso da palavra diabo na narrativa. Embora a tentação decorresse da sua fome natural - a tentação da carne, que está sempre pronta a militar contra o Espírito - encaixa no padrão da tentação no Éden. E somos lembrados dessa semelhança, para que possamos entender melhor a lição essencial, a saber, que o pecado é a transgressão da lei de Deus sempre. É sempre a anulação da Palavra de Deus. E isso significa que sempre é o raciocínio carnal.

Para que possamos detectar melhor o nome "diabo" para a serpente no deserto, nessas tentações, temos a passagem utilizada a partir do Salmo 91 na segunda tentativa seguida de uma promessa: "Pisarás o leão e a áspide" (Salmo 91 : 13). Se alguém está disposto a imaginar um tentador pessoal nestas cenas, que explique a ação de Cristo em acompanhar tal ser ao pináculo do templo e para o topo da alta montanha. Estes movimentos são compreensíveis como viagens mentais; como voos da mente da carne buscando ganhar o domínio. Cristo era o dono da situação, mantendo o seu próprio corpo por um controle eficaz, a Palavra, "está escrito".

A razão pela qual Cristo chamou Pedro de Satanás é a mesma. A tentação que ele estava trazendo à tona contra o seu mestre caiu no padrão da tentação edênica. O Senhor sabia que tinha de sofrer e morrer. Ele sabia que era de acordo com o conselho determinado e presciência de Deus. Era tudo de acordo com as Escrituras. Pedro não compreendeu nada disso na época e em sua ignorância iria remover o Senhor do caminho da obediência à Palavra. Com a rapidez de entendimento que o fez único, Jesus viu o perigo, e repreendeu Pedro. Os termos da repreensão, envia-nos ao Éden: "Arreda, Satanás". O apóstolo então agiu como a serpente, daí o termo Satanás, um dos nomes da serpente. Aqui é interessante notar que este raciocínio satânico (e, portanto, serpentino) é descrito pelo Senhor como as coisas que são dos homens em contraste com as coisas que são de Deus.

Na segunda epístola de Paulo aos coríntios, o apóstolo faz uma referência ao pecado no Éden que é interessante como uma confirmação da sugestão apresentada neste estudo. No início do capítulo 11, ele expressa seus temores que os crentes poderiam ser corrompidos e afastados dos simples ensinamentos de Cristo como Eva foi enganada pela serpente. Mais tarde no capítulo ele adverte contra “falsos apóstolos, obreiros fraudulentos, transformando-se em apóstolos de Cristo”, em seguida, segue uma passagem marcante: " E não é de admirar, porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus próprios ministros se transformem em ministros de justiça” (2Co 11:15 ARA). A referência à serpente é uma referência a Satanás; falsos mestres de discurso sedutor são descritos como seus ministros que adotam o seu método, plausível e enganoso.

A partir daqui pode-se passar à consideração daqueles que são chamados os filhos de Satanás ou do Diabo. O encontro entre Paulo e o feiticeiro na Ilha de Chipre serve como um bom começo. O apóstolo tinha pregado e estava em processo de conversão do procônsul para a Verdade. Elimas, o feiticeiro, resistiu e tentou afastar o oficial da fé. Essa oposição só deve lembrar-nos de como isso tinha sido feito no caso de Eva; ela foi, certamente, afastada da fé pela serpente. Sabendo disso, as palavras de Paulo a este feiticeiro do mal estão cheios de lembretes do Éden: “Ó filho do diabo, cheio de todo o engano e de toda a malícia, inimigo de toda a justiça, não cessarás de perverter os retos caminhos do Senhor?” (Act 13:10 ARA).

As palavras de João sobre aqueles que seguem os ensinamentos da serpente se referem principalmente a Caim. Ele estabelece a regra de que quem comete pecado é do diabo. Tendo observado os exemplos diante de nós poderíamos perguntar se aqui a regra se mantém verdadeira esperando de nós um retorno à história do Éden para a compreensão das suas palavras. Não ficamos em dúvida depois de ler a passagem até ao final, e sua referência a Caim é o elo inconfundível, que Caim foi o primeiro nascido do pecado depois da queda, e um assassino. Sua ação foi em sucessão direta ao pecado da desobediência solicitado pela serpente.

Esta associação se reflete no discurso do Senhor Jesus sobre o diabo em João 8. Ele chama aos judeus que se lhe opunham filhos do diabo; "vós sois de vosso pai, o diabo". O Seu raciocínio era o seguinte: eles queriam matá-lo, e nisso eles foram seguindo o exemplo do diabo, que "foi homicida desde o princípio". Somos ajudados em nosso processo de identificação por mais palavras tais como: "Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio: Porque ele é um mentiroso e pai da mentira" O pai da mentira foi a serpente, de modo que somos levados aqui a essa conclusão claramente constatada em Apocalipse 12:9, ou seja, que a serpente e o diabo são uma e a mesma coisa. Voltando a Caim, vemos nele um assassino, e, portanto, um filho fiel do diabo ou da serpente. Após esta menção de filhos do diabo, será útil citar a definição do joio como os "filhos do maligno", sendo semeado pelo diabo. Esse ensino precoce da carne, tão bem representado hoje, em toda a maldade que exalta o homem acima de Deus, ainda cresce no injustos do mundo. Cresce com toda a pretensão de bondade e sabedoria, enganando tantos em nome da cultura, humanismo etc.

Por WM. Watkins